CURSO EAD DE TEOLOGIA

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Justiça Social no Contexto da Multiplicação de Pães e Peixes

Exposição do Texto do Evangelho de Marcos 6:30-44


           
Nesta exposição, pretendemos observar as ações de Cristo e seus discípulos para fortalecer o nosso conceito de justiça. Para isso estudaremos verso por verso nesta parte do evangelho segundo escreveu Marcos. Vejamos o texto bíblico:
            “E ajuntaram-se os apóstolos com Jesus e relataram-lhe todas as coisas que fizeram e ensinaram. Então disse-lhes: vinde vós aqui à parte, para um lugar deserto e descansai um pouco. Pois eram muitos os que viam e iam, nem tinham tempo pra comer. E partiram no barco para um lugar deserto, e a sós”. “Então viram eles saindo, e muitos os reconhecera; então a pé, de todas as cidades correram para lá, e chegaram antes deles”. “Então saindo (Jesus), viu grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não tinha pastor, e começou a ensinar-lhes muitas coisas”. “E tornando-se já avançada a hora, vindo-lhe os seus discípulos, disseram: é deserto o lugar e já avançada a hora. Despede-os para que partindo aos campos ao redor e aldeias comprem pra si o que comer”. , “Porém Ele lhes respondeu: Dai-lhes vós de comer. Então lhe disseram: sairemos a comprar duzentos denários de pão e daremos-los de comer? Ele, porém disse a eles: quantos pães tendes? Ide ver. E sabendo disseram: cinco pães e dois peixes”. “Então ordenou que reclinassem todos em grupos sobre a relva verde. Então reclinaram em grupos de cem e cinquenta”. , “e tomando os cinco pães e dois peixes, olhando para o céu, deu graças. Então partiu os pães e dava a seus discípulos para que servissem-lhes, também os dois peixes dividiu por todos. E comeram todos e satisfizeram-se”. “e recolheram doze cestos de pedaços de pães e peixes. E eram os que comeram cinco mil homens”.
Nos versos 30 a 32 temos o seguinte texto: “e ajuntaram-se os apóstolos com Jesus e relataram-lhe todas as coisas que fizeram e ensinaram. Então disse-lhes: vinde vós aqui à parte, para um lugar deserto e descansai um pouco. Pois eram muitos os que viam e iam, nem tinham tempo pra comer. E partiram no barco para um lugar deserto, e a sós”. Esses versos fecham a narrativa da missão dos apóstolos. Eles se apresentaram a Jesus, relatando tudo que fizeram e ensinaram, tendo talvez na consciência a satisfação do cumprimento da missão. Porém, havia muito que aprender. A missão era ainda maior, pois ia além daquilo que eles já haviam feito. Jesus diante dos relatos de seus discípulos ordena que eles descansem, e usa o termo grego “anapausasthe”, indicando que não era um simples descanso, era uma retirada estratégica, um momento para estar a sós, para que nada atrapalhasse a atenção de seus discípulos. Era necessário estar com Deus, se relacionar com seu mestre para entender e ser capacitado para o restante da missão. É necessário à Igreja ter momentos com Deus. É fundamental a oração na vida daqueles que querem cumprir a missão que Cristo o designou.
            Os discípulos foram levados a um lugar deserto, um lugar de reflexão, que muitas vezes na bíblia está relacionado à provação. “A menção tripla de Marcos ao lugar solitário (vs. 31, 32 e 35), informa ao leitor que esse seria um lugar de prova para os discípulos, como foi para Jesus”. (MULHOLLAND, 1978, p. 109). Parece-nos que os discípulos precisavam ainda entender que a missão não se limitava à proclamação do evangelho, mas também a sua prática. Era necessário evidenciar os princípios do Reino de Deus: justiça, paz e amor.
            Ao tomar consciência d sua missão o discípulo de Cristo precisa orar, ter momentos a sós com Deus. Precisa renovar as forças, buscar orientação para a luta pela justiça, igualdade, liberdade e paz entre as pessoas. A oração se mostra um princípio indispensável para quem quer viver a justiça social.
O verso 33 deste capítulo relata o seguinte: “Então viram eles saindo, e muitos os reconhecera; então a pé, de todas as cidades correram para lá, e chegaram antes deles”. Os apóstolos ao serem reconhecidos pela multidão como aqueles que pregavam uma nova mensagem de esperança, foram seguidos por pessoas de várias cidades que queriam mais dos apóstolos e de Jesus. A multidão esperava que eles fizessem mais por ela. E esta esperança era tão grande que a pé, todos os seguiram, chegando primeiro ao lugar deserto. É importante frisar que a “multidão” espera mais dos discípulos de Cristo. Espera mais do que palavras. As pessoas esperam atitudes, uma mensagem vivida e não apenas discursos vazios.
            No verso 34 encontramos o seguinte: “Então saindo (Jesus), viu grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não tinha pastor, e começou a ensinar-lhes muitas coisas”. Neste verso encontramos outro grande princípio para o exercício da justiça social: a compaixão. O termo grego para compaixão é “esplagcnisthê” que significa ser movido de compaixão. No vernáculo, compaixão significa estar com na paixão, sentir a dor do outro e juntos buscar uma solução. “O verbo compadecer-se expressa no novo testamento, o grau mais elevado de simpatia pelo que sofre. É usado apenas por Jesus, e denota uma preocupação profunda que se expressa em auxílio ativo” (IBID). Percebemos então, que compaixão não é sentir pena ou emoções passivas, e sim um sentimento que nos impulsiona ao bem, a atitudes de amor ao próximo. “A compaixão [...] é a força impulsora que nos impele a fazer justiça espontaneamente e de boa vontade. A compaixão leva à prática destemida da justiça, a endireitar aquilo que, em nosso mundo, está errado” (NOLAN, 1985, p.40).
            Na outra parte do verso percebemos o motivo da compaixão de Jesus pela multidão: Eram como “ovelhas sem pastor”. Segundo Fritz Rienecker (1995, p. 78), essa figura de linguagem denota uma falta de orientação espiritual. Portanto, eram pessoas desorientadas, desprotegidas e sem esperança. Com isso, Jesus assume o papel de pastor para ensinar e conduzir este povo para as verdades espirituais. Aprendemos aqui que justiça social inclui espiritualidade, e contribuir somente no aspecto físico, político e econômico, não resulta numa verdadeira justiça. A justiça deve alcançar o homem por inteiro e não parcialmente. Instruir as pessoas com as verdades espirituais é outro princípio importantíssimo para o exercício da justiça social.
            Analisando os versos 35 e 36, “E tornando-se já avançada a hora, vindo-lhe os seus discípulos, disseram: é deserto o lugar e já avançada a hora. Despede-os para que partindo aos campos ao redor e aldeias comprem pra si o que comer”. Percebemos aqui as limitações e desapontamento dos discípulos, que procuram argumentos para despedir a multidão, lembrando-o da hora avançada e do lugar deserto. Então solicitam a Jesus que despedisse a multidão, lançando sobre ela a total responsabilidade de fazer algo por si mesma, e consequentemente aliviando-os de tal tarefa. Observemos que os dois últimos verbos do verso 36 estão na terceira do plural, “comprem” e “comam”. “É possível que a sugestão dos discípulos visasse interesses outros que os do povo. Eles foram desapontados quanto ao retiro a sós com Jesus, e provavelmente tinha fome também” (DAVIDSON, 1983, p.1000).
            O discípulo é constantemente tentado a tomar a mesma decisão nos dias de hoje, quando se depara com a multidão desorientada e faminta. Pois o cansaço, a falta de tempo, ou a decepção de não ter algo pra si mesmo, pode levá-lo ao desapontamento e a achar que é injusto cuidar dos outros, quando o que gostaria era cuidar de si e ter suas necessidades supridas. Na luta em fazer justiça, nos depararemos com nosso egoísmo, com o desânimo, com o cansaço e muitas outras barreiras, que devem ser vencidas, pois ser justo requer de nós renuncia e dedicação.
            Analisando os versos 37 e 38, encontramos, “Porém Ele lhes respondeu: Dai-lhes vós de comer. Então lhe disseram: sairemos a comprar duzentos denários de pão e daremos-los de comer? Ele, porém disse a eles: quantos pães tendes? Ide ver. E sabendo disseram: cinco pães e dois peixes”.  Jesus responde ao argumento dos discípulos com uma ordem que traz impacto sobre eles, para testá-los e despertá-los para a compreensão da solidariedade, outro princípio da justiça social.

Tais palavras servem como repreensão contínua à igreja na sua incapacidade diante de um mundo faminto. A igreja contempla seus recursos insignificantes com desânimo. Torna-se patente que toda necessidade pode ser satisfeita uma vez que o Senhor tenha uso daqueles recursos. (IBID)

            Quando a igreja compartilha dos recursos que tem, mesmo que sejam poucos, Deus honra a sua atitude de solidariedade. Ele está nos ensinando que não é a quantidade o mais importante e sim a disposição do coração em ajudar o próximo. Ser solidário é agir com amor, tal como vimos na multiplicação dos pães e peixes, que quando alguém se dispõe a fazer o bem, a doar do pouco que tem, Deus abençoe satisfazendo as necessidades de todos.
            Os versos 39 e 40 dizem: “Então ordenou que reclinassem todos em grupos sobre a relva verde. Então reclinaram em grupos de cem e cinquenta”. Parece-nos que o motivo de tal divisão em grupos foi para evitar confusão e alvoroço, o que tornaria a distribuição dos pães e peixes mais difícil, e possivelmente alguns ficariam de fora da partilha. Com isso, na ação social da igreja de existir um planejamento para mantê-la e diminuir ao máximo que os verdadeiramente necessitados sejam excluídos. A organização que no episódio foi empregada deve servir de exemplo para as igrejas que pensam em iniciar um trabalho social.
            Nos versos 41 e 42, lemos, “e tomando os cinco pães e dois peixes, olhando para o céu, deu graças. Então partiu os pães e dava a seus discípulos para que servissem-lhes, também os dois peixes dividiu por todos. E comeram todos e satisfizeram-se”. Nestes versos encontramos outro grande princípio da justiça social, a igualdade. Diz o texto que todos receberam do pão e do peixe, todos comeram e todos se fartaram. Não houveram privilégios, todos foram tratados de igual modo. A justiça iguala as pessoas, não se importando com sua cor, raça, sexo, condição social nem mesmo religião. A justiça não exclui, ela agrega, inclui, soma, une e luta para manter a igualdade.
            Por fim, chegamos aos versos 43 e 44, últimos versos do texto de nossa base referencial para justiça. “e recolheram doze cestos de pedaços de pães e peixes. E eram os que comeram cinco mil homens”. Esses números finais mostram a grandeza do acontecimento: cinco mil homens foram alimentados e ainda sobraram doze cestos. Doze cestos do fruto da obra, da disposição e liberalidade, da compaixão, da missão integral dos discípulos de Jesus.

            Mas o que chama atenção não são os números e sim a motivação do milagre. Em todo texto não há uma indicação de que este milagre foi público, ou seja, os que comiam não sabiam que os pães e peixes eram frutos de um milagre, eles sabiam que era resultado do amor, da doação, da solidariedade dos discípulos. “Marcos não fornece qualquer indicação de que o povo tivesse percebido que um milagre estava acontecendo. O evento deveria ser revelação exclusiva para os discípulos” (MULHOLLAND,     1978, p. 111). Assim como nos demais milagres e curas realizadas por Jesus, Ele não se expunha à publicidade, nos ensinando uma lição de humildade. Sua motivação em alimentar a multidão não foi publicidade, vaidade, dinheiro, nem mesmo exigir que alguém o seguisse. Sua motivação foi o amor. Essa deve ser a motivação da igreja para alimentar a multidão, para fazer justiça, evidenciando os princípios que foram citados nesta exposição. 

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