CURSO EAD DE TEOLOGIA

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O PADRÃO BÍBLICO DE JUSTIÇA SOCIAL

       


Quando a Bíblia fala de justiça, geralmente podemos compreender em três aspectos: legal, moral e social. Legal quando diz respeito à nossa posição perante Deus. O homem é um infrator da Lei de Deus, e para ser aceito, precisa ser justificado. O aspecto moral relaciona-se com consciência humana, sua conduta, como nos portamos perante a vida. E o aspecto social se refere à vida em sociedade.
Em toda a Bíblia não encontraremos Deus tratando unicamente de um desses aspectos de justiça isoladamente. Quando Ele exige que o homem seja justo, abrange os três aspectos supracitados. Exemplificando, tomemos o mandamento de não matar. Seu aspecto legal é que quem mata está sujeito a julgamento e condenação, pois descumpriu a Lei. Moralmente quem mata não fica em paz com sua consciência, pois sabe que cometeu um ato reprovável. E matar alguém implica em ferir o equilíbrio da sociedade. Em direito penal, quando alguém comete um crime, não o comete apenas contra a vítima, mas contra toda a sociedade, e por esta razão ele é passivo à punição por parte do Estado, para restabelecer o equilíbrio social rompido.
A partir de agora buscamos apresentar fatos e atitudes de alguns dos principais personagens bíblicos e sua relação com o tema proposto. Na Bíblia encontramos grandes exemplos e ensinamentos sobre como fazer justiça, vivendo seus princípios e sendo um instrumento de transformação da sociedade. Mostramos através de uma visão panorâmica no antigo testamento, pela vida e ministérios dos patriarcas, profetas e reis o padrão de justiça veterotestamentário, servindo de base para a justiça neotestamentária, e pudemos observar e apresentar a prática de vida de Jesus, seus apóstolos e da igreja em suas respectivas épocas.

1.1         Visão Panorâmica do Antigo Testamento

           
É de suma importância analisar o Antigo Testamento no que diz respeito à justiça, pois ele todo fala sobre este tema. É evidente em cada livro o valor que deus dá a justiça e o quanto ele requeria que seu povo a evidenciasse.

1.1.1    No Pentateuco


            A Lei de Deus dada por intermédio de Moisés era a revelação necessária para que o povo discernisse o que era justo e injusto. E a prática da Lei era a maior evidência de uma vida justa (Dt. 6:24, 25; 25:1; 32:4). Neste tempo foi instituída a lei do amor, que dava instruções para um convívio pacífico, assegurando os direitos dos mais fracos, ou seja, os pobres, as viúvas, os órfãos e estrangeiros. É dado o direito de apanhar frutos no chão, para a sobrevivência do faminto (Lv. 19:9, 10); há a proibição da opressão aos trabalhadores pobres, assegurando-lhes o direito ao salário diário (Dt. 24:14, 15); também é frisado o princípio da imparcialidade no julgamento, proibindo o favorecimento de alguém ou grupos (Lv. 19:15); a lei também ordenava aos que tivessem melhores condições financeiras, que ajudasse os pobres que viessem ao seu encontro, amparando-os em suas necessidades ( Dt. 15:7,8). 
Concluímos que o padrão de justiça no Pentateuco era de equidade e solidariedade. Equidade, onde nos é apresentado a partilha das terras de Canaã entre as tribos de Israel, onde eram divididas de acordo com o tamanho de cada família, assegurando-as a possibilidade de sobrevivência; E solidariedade no amparo aos mais necessitados.

1.1.2    Nos Livros Poéticos

           
Nos poéticos observamos que o ideal espiritual de uma pessoa não era a santidade ou bondade, e sim a justiça. Na maioria dos casos não se fala da bondade humana ou sua santidade, fala sempre do homem justo e este ligado as bênção de Deus (Jó 17:9; Sl 1:6; 5:12; 55:22; Pv. 4:18; 10:6, 7; 11:28; 14:32; 21:15; 28:28). A justiça nos livros poéticos tem como principal característica a defesa e o livramento dos necessitados, ante a opressão e suas necessidades (Sl. 82:34; Pv. 31:8, 9).

1.1.3    Nos Livros proféticos

           
Na visão dos profetas do antigo testamento, justiça não era uma questão política, e sim religiosa. Para eles era impossível separar justiça da religião. No livro do profeta Jeremias, por exemplo, percebemos que a justiça estava relacionada ao conhecimento de Deus (Jr. 22:16). Ou seja, quem conhece a Deus pratica a justiça e vice-versa. Na verdade, nos proféticos o atributo divino da justiça era imensamente divulgado.
            A justiça dos profetas também estava ligada à ajuda aos pobres e oprimidos, denunciando o erro e a opressão dos poderosos. É interessante observarmos a luta dos chamados “profetas menores” pela justiça social. Sempre que a sociedade estava sendo oprimida pelos poderosos de sua época, a violência aumentando, a fome crescendo e a injustiça reinando, Deus levantava homens para proclamar a Sua Justiça. Esses profetas clamavam por libertação e igualdade para os pobres e oprimidos e juízo contra os opressores.
O profeta Isaías clamou contra a injustiça, o suborno, a maldade e a opressão contra seu semelhante. Ninguém tem direito de oprimir o outro. Ele pregava que atos como esses são ofensivos a Deus. Quem tinha condições comprava a justiça, portanto, os juízes eram corruptos, o poder legislativo e executivo se deixava vender; como poderia Deus tolerar semelhante coisa? (Is. 1:15-17,23; 5:8,23; 58:6,7).
Jeremias denunciou o enriquecimento ilícito e também a opressão contra: pobres, viúvas, órfãos; também percebeu que a ambição se assenhoreava dos homens, o profeta viu o rico comprando os tribunais, viu o perverso ser justificado e o justo condenado. O profeta clama, denuncia e diz que Deus o justo juiz irá castigar todo tipo de injustiça praticada pelo homem (Jr. 5:26-29; 9:2-6; 22:13-17).
O profeta Amós diante de uma sociedade materialista, denuncia a injustiça, proclamando o juízo contra os opressores do povo (Am. 3:10, 11) e destacando que Deus estava requerendo a justiça em toda terra (Am. 1:3 – 2:16). Para Amós a justiça social fazia parte da adoração a Deus.
A luta do profeta Miqueias foi pelo estabelecimento da justiça em sua sociedade. Crítico da elite que oprimia o povo denunciou a injustiça e combateu a miséria causada pela exploração dos ricos (Mq. 2:1-13), e opressão dos governantes (Mq. 3:1-4).
A luta de Naum foi contra o totalitarismo militar dos assírios, inimigos cruéis de Israel, que oprimia os judeus com altos impostos e a escravidão de alguns. E proclama contra esses, o juízo de Deus ela opressão a Israel e às demais nações vizinhas (Nm 2:1-2).
O profeta Habacuque vê o crescimento da opressão, a destruição da moral e a grande violência em seu tempo, e clama por uma intervenção Divina (Hc. 1:2). Então Deus o manda profetizar escrevendo em tábuas a visão do juízo sobre Israel e sua injustiça, decretando sua justiça sobre toda a nação (Hc. 2: 2-20).

domingo, 22 de janeiro de 2017

FALSOS CONCEITOS DE JUSTIÇA

 

           
Neste abordaremos algumas noções de justiça que tem predominado na sociedade secular, e algumas vezes dentro de igrejas cristãs. A injustiça e a “justiça parcial” é um grande problema para a igreja já que foge do padrão que o próprio Deus deixou para que todo cristão pratique. O desafio maior é não ser influenciada pelos padrões de justiça secular, pois esses estão cheios de ideologias criadas pelo homem, que na sua limitação e imperfeição busca seus próprios interesses. Vejamos a seguir algumas dessas ideologias.

1.         Ideologia do Mérito

        
É provável que uma grande parte da sociedade tenha essa concepção sobre justiça. Ela se baseia no sistema econômico e seus princípios, onde o homem é o que tem e na posição que ocupa diante da sociedade. Podemos chama-la de ideologia capitalista do mérito, pois visa dar a cada indivíduo seus direitos e deveres de acordo com sua posição social e o quanto ela contribui financeiramente no crescimento de sua cidade, estado e país. Nesta concepção, um grande empresário deve ter grandes rendimentos financeiros e um agricultor ter seu soldo menor devido à sua posição e escolaridade. Um político com seus salários altíssimos e seus privilégios, vale mais que um gari, que de certo modo se esforça muito mais e trabalha de maneira digna pra ter o que comer e sustentar sua família. Nesta ideologia, um mendigo não teria valor algum para a sociedade, pois não produz riqueza para sua cidade.
            Este padrão de justiça é bem aceito pela sociedade secular, o que torna o desafio da igreja ainda maior, pois além de ensinar um padrão diferente, ela ainda precisa combater a entrada dessa ideologia dentro dela mesma. É necessário observar como estamos tratando todas as pessoas em nossas igrejas. Se de alguma forma privilegiamos os que têm condições sociais melhores e desprezamos os menos abastados.
            Um exemplo de que esta ideologia pode entrar na igreja e afastar os cristãos do que Cristo instituiu para ela é o que aconteceu na igreja do primeiro século de nossa era, que levou Tiago, discípulo e meio irmão de Jesus, a exortar a igreja sobre tal prática. No texto da carta de Tiago no capítulo 2 e verso de 1 a 13, verificamos que a igreja privilegiava os ricos com seus trajes luxuosos, fazendo-os sentar nos melhores lugares, enquanto que os pobres ficavam em pé ou nos últimos lugares. Tal prática denuncia um falso sistema de valores (v. 3), desonra a quem Deus honra (v. 5), favorecem os que oprimem os cristãos (v. 6), é pecado (v. 9) e quem tal coisa pratica sofrerá o juízo divino (v. 12 e 13).

2         Ideologia da Consciência Tranquila

           
Esta ideologia consiste em agir de acordo com sua própria consciência. Ou seja, as atitudes de alguém devem ser pautadas no sentimento de tranquilidade vindo de sua própria mente. Se numa determinada situação a mente está em paz, é sinal que a atitude foi justa, se não traz paz, é sinal de injustiça.
            Esta ideologia que parece correta é um grande perigo na vida cristã, pois a consciência humana não é uma fonte segura para ser base da justiça, tendo em vista que pessoas possuem formações diferentes, valores e princípios diferentes e até mesmo grau de sanidade diferentes. Se todas as pessoas tivessem uma boa consciência, sanidade mental e não sofressem variações de humor, ela seria perfeita. Mas como isso é impossível, ela não deve ser o padrão cristão de justiça social.
O que podemos esperar de justo numa consciência contaminada pelo pecado? Ou de uma consciência endurecida, cauterizada pelo sofrimento e traumas? Há ainda pessoas de consciência fraca, que se deixam levar por toda e qualquer opinião alheia. Pessoas imaturas e sensíveis, influenciadas por suas emoções cometeriam grandes injustiças tomando como base sua consciência. A consciência humana não é uma fonte segura de justiça.

3         Ideologia Farisaica

           
No judaísmo se aplicava a “justiça própria”. Que consistia no desenvolvimento de uma ética padrão pessoal ao ponto que este indivíduo alcançasse a sua salvação. “O judeu deveria viver conforme a Torah (lei), somado ao desenvolvimento de seu ativo do ‘Yêser hattob’ (impulso bom), e refrear o seu ‘Yeser Hara’ (impulso mau), para obter um padrão e julgar sua justiça própria” (MCCELLAND, 1990, p. 385).
            O evangelho de Mateus, no capítulo 23, faz algumas críticas a respeito da justiça dos fariseus, destacando suas características como algo reprovável diante daquilo que Cristo havia ensinado aos seus discípulos. Vejamos quais são.
            Primeiramente ele fala que os fariseus impõem regras aos outros e não as cumpre (v.4). Era fácil esta tarefa de criar leis, pois eles mesmos não tinham o dever de cumpri-las, pois se achavam acima da lei e da justiça.
            Em segundo lugar, os fariseus se achavam superiores a todas as pessoas (vs. 6 e 7). Consideravam-se dignos de honra, com maior espiritualidade e no direito de julgar as pessoas e condená-las por suas faltas. Acreditavam que eram juízes irrepreensíveis.
            Uma terceira característica é o uso da posição religiosa e social para se beneficiarem (v. 14). Neste contexto, os fariseus usavam a posição religiosa para tomares os bens das viúvas para si. Usar sua posição para obter vantagens próprias é uma atitude farisaica.
            A quarta característica, é o proselitismo (v.15). Uma das ênfases do farisaísmo é agregar um grande número de adeptos, mudando seus pensamentos para apoiar sua religião e ideologias de justiça. Quanto maior o apoio, menor a oposição às suas práticas.
            A quinta característica está no apego aos bens materiais (v. 16). Um “bom fariseu” é devidamente reconhecido pela sua avareza. Pois a riqueza tem papel fundamental na posição que ele pode exercer na sociedade e na influência sobre os demais. Segundo esse pensamento, os bens materiais influenciam a vida sobre coisas espirituais.
            Enfatizam as tradições dos homens, esta é a sexta característica do farisaísmo (v. 23). Normalmente as tradições exigem dos homens uma prática religiosa de aparência e de publicidade. Com isso, o prazer do fariseu em cumpri-las é visível, pois essa atitude resultará na fama de um religioso praticante e piedoso.
            Por fim, chegamos à sétima característica. Preocupam-se com o exterior e desprezam as virtudes (v. 25). Para eles o que importa é a aparência, a maneira de se vestir e se apresentar perante os homens. Era uma religião para os ricos de sua época.

            Este tipo de justiça tão cobiçada pelos fariseus, é exatamente a que Jesus rejeita, condena e abomina, contrastando com a justiça do Reino de Deus: “se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, de modo algum entrareis no Reino de Deus” (Mateus 5:20).

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Justiça Social no Contexto da Multiplicação de Pães e Peixes

Exposição do Texto do Evangelho de Marcos 6:30-44


           
Nesta exposição, pretendemos observar as ações de Cristo e seus discípulos para fortalecer o nosso conceito de justiça. Para isso estudaremos verso por verso nesta parte do evangelho segundo escreveu Marcos. Vejamos o texto bíblico:
            “E ajuntaram-se os apóstolos com Jesus e relataram-lhe todas as coisas que fizeram e ensinaram. Então disse-lhes: vinde vós aqui à parte, para um lugar deserto e descansai um pouco. Pois eram muitos os que viam e iam, nem tinham tempo pra comer. E partiram no barco para um lugar deserto, e a sós”. “Então viram eles saindo, e muitos os reconhecera; então a pé, de todas as cidades correram para lá, e chegaram antes deles”. “Então saindo (Jesus), viu grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não tinha pastor, e começou a ensinar-lhes muitas coisas”. “E tornando-se já avançada a hora, vindo-lhe os seus discípulos, disseram: é deserto o lugar e já avançada a hora. Despede-os para que partindo aos campos ao redor e aldeias comprem pra si o que comer”. , “Porém Ele lhes respondeu: Dai-lhes vós de comer. Então lhe disseram: sairemos a comprar duzentos denários de pão e daremos-los de comer? Ele, porém disse a eles: quantos pães tendes? Ide ver. E sabendo disseram: cinco pães e dois peixes”. “Então ordenou que reclinassem todos em grupos sobre a relva verde. Então reclinaram em grupos de cem e cinquenta”. , “e tomando os cinco pães e dois peixes, olhando para o céu, deu graças. Então partiu os pães e dava a seus discípulos para que servissem-lhes, também os dois peixes dividiu por todos. E comeram todos e satisfizeram-se”. “e recolheram doze cestos de pedaços de pães e peixes. E eram os que comeram cinco mil homens”.
Nos versos 30 a 32 temos o seguinte texto: “e ajuntaram-se os apóstolos com Jesus e relataram-lhe todas as coisas que fizeram e ensinaram. Então disse-lhes: vinde vós aqui à parte, para um lugar deserto e descansai um pouco. Pois eram muitos os que viam e iam, nem tinham tempo pra comer. E partiram no barco para um lugar deserto, e a sós”. Esses versos fecham a narrativa da missão dos apóstolos. Eles se apresentaram a Jesus, relatando tudo que fizeram e ensinaram, tendo talvez na consciência a satisfação do cumprimento da missão. Porém, havia muito que aprender. A missão era ainda maior, pois ia além daquilo que eles já haviam feito. Jesus diante dos relatos de seus discípulos ordena que eles descansem, e usa o termo grego “anapausasthe”, indicando que não era um simples descanso, era uma retirada estratégica, um momento para estar a sós, para que nada atrapalhasse a atenção de seus discípulos. Era necessário estar com Deus, se relacionar com seu mestre para entender e ser capacitado para o restante da missão. É necessário à Igreja ter momentos com Deus. É fundamental a oração na vida daqueles que querem cumprir a missão que Cristo o designou.
            Os discípulos foram levados a um lugar deserto, um lugar de reflexão, que muitas vezes na bíblia está relacionado à provação. “A menção tripla de Marcos ao lugar solitário (vs. 31, 32 e 35), informa ao leitor que esse seria um lugar de prova para os discípulos, como foi para Jesus”. (MULHOLLAND, 1978, p. 109). Parece-nos que os discípulos precisavam ainda entender que a missão não se limitava à proclamação do evangelho, mas também a sua prática. Era necessário evidenciar os princípios do Reino de Deus: justiça, paz e amor.
            Ao tomar consciência d sua missão o discípulo de Cristo precisa orar, ter momentos a sós com Deus. Precisa renovar as forças, buscar orientação para a luta pela justiça, igualdade, liberdade e paz entre as pessoas. A oração se mostra um princípio indispensável para quem quer viver a justiça social.
O verso 33 deste capítulo relata o seguinte: “Então viram eles saindo, e muitos os reconhecera; então a pé, de todas as cidades correram para lá, e chegaram antes deles”. Os apóstolos ao serem reconhecidos pela multidão como aqueles que pregavam uma nova mensagem de esperança, foram seguidos por pessoas de várias cidades que queriam mais dos apóstolos e de Jesus. A multidão esperava que eles fizessem mais por ela. E esta esperança era tão grande que a pé, todos os seguiram, chegando primeiro ao lugar deserto. É importante frisar que a “multidão” espera mais dos discípulos de Cristo. Espera mais do que palavras. As pessoas esperam atitudes, uma mensagem vivida e não apenas discursos vazios.
            No verso 34 encontramos o seguinte: “Então saindo (Jesus), viu grande multidão e compadeceu-se deles, porque eram como ovelhas que não tinha pastor, e começou a ensinar-lhes muitas coisas”. Neste verso encontramos outro grande princípio para o exercício da justiça social: a compaixão. O termo grego para compaixão é “esplagcnisthê” que significa ser movido de compaixão. No vernáculo, compaixão significa estar com na paixão, sentir a dor do outro e juntos buscar uma solução. “O verbo compadecer-se expressa no novo testamento, o grau mais elevado de simpatia pelo que sofre. É usado apenas por Jesus, e denota uma preocupação profunda que se expressa em auxílio ativo” (IBID). Percebemos então, que compaixão não é sentir pena ou emoções passivas, e sim um sentimento que nos impulsiona ao bem, a atitudes de amor ao próximo. “A compaixão [...] é a força impulsora que nos impele a fazer justiça espontaneamente e de boa vontade. A compaixão leva à prática destemida da justiça, a endireitar aquilo que, em nosso mundo, está errado” (NOLAN, 1985, p.40).
            Na outra parte do verso percebemos o motivo da compaixão de Jesus pela multidão: Eram como “ovelhas sem pastor”. Segundo Fritz Rienecker (1995, p. 78), essa figura de linguagem denota uma falta de orientação espiritual. Portanto, eram pessoas desorientadas, desprotegidas e sem esperança. Com isso, Jesus assume o papel de pastor para ensinar e conduzir este povo para as verdades espirituais. Aprendemos aqui que justiça social inclui espiritualidade, e contribuir somente no aspecto físico, político e econômico, não resulta numa verdadeira justiça. A justiça deve alcançar o homem por inteiro e não parcialmente. Instruir as pessoas com as verdades espirituais é outro princípio importantíssimo para o exercício da justiça social.
            Analisando os versos 35 e 36, “E tornando-se já avançada a hora, vindo-lhe os seus discípulos, disseram: é deserto o lugar e já avançada a hora. Despede-os para que partindo aos campos ao redor e aldeias comprem pra si o que comer”. Percebemos aqui as limitações e desapontamento dos discípulos, que procuram argumentos para despedir a multidão, lembrando-o da hora avançada e do lugar deserto. Então solicitam a Jesus que despedisse a multidão, lançando sobre ela a total responsabilidade de fazer algo por si mesma, e consequentemente aliviando-os de tal tarefa. Observemos que os dois últimos verbos do verso 36 estão na terceira do plural, “comprem” e “comam”. “É possível que a sugestão dos discípulos visasse interesses outros que os do povo. Eles foram desapontados quanto ao retiro a sós com Jesus, e provavelmente tinha fome também” (DAVIDSON, 1983, p.1000).
            O discípulo é constantemente tentado a tomar a mesma decisão nos dias de hoje, quando se depara com a multidão desorientada e faminta. Pois o cansaço, a falta de tempo, ou a decepção de não ter algo pra si mesmo, pode levá-lo ao desapontamento e a achar que é injusto cuidar dos outros, quando o que gostaria era cuidar de si e ter suas necessidades supridas. Na luta em fazer justiça, nos depararemos com nosso egoísmo, com o desânimo, com o cansaço e muitas outras barreiras, que devem ser vencidas, pois ser justo requer de nós renuncia e dedicação.
            Analisando os versos 37 e 38, encontramos, “Porém Ele lhes respondeu: Dai-lhes vós de comer. Então lhe disseram: sairemos a comprar duzentos denários de pão e daremos-los de comer? Ele, porém disse a eles: quantos pães tendes? Ide ver. E sabendo disseram: cinco pães e dois peixes”.  Jesus responde ao argumento dos discípulos com uma ordem que traz impacto sobre eles, para testá-los e despertá-los para a compreensão da solidariedade, outro princípio da justiça social.

Tais palavras servem como repreensão contínua à igreja na sua incapacidade diante de um mundo faminto. A igreja contempla seus recursos insignificantes com desânimo. Torna-se patente que toda necessidade pode ser satisfeita uma vez que o Senhor tenha uso daqueles recursos. (IBID)

            Quando a igreja compartilha dos recursos que tem, mesmo que sejam poucos, Deus honra a sua atitude de solidariedade. Ele está nos ensinando que não é a quantidade o mais importante e sim a disposição do coração em ajudar o próximo. Ser solidário é agir com amor, tal como vimos na multiplicação dos pães e peixes, que quando alguém se dispõe a fazer o bem, a doar do pouco que tem, Deus abençoe satisfazendo as necessidades de todos.
            Os versos 39 e 40 dizem: “Então ordenou que reclinassem todos em grupos sobre a relva verde. Então reclinaram em grupos de cem e cinquenta”. Parece-nos que o motivo de tal divisão em grupos foi para evitar confusão e alvoroço, o que tornaria a distribuição dos pães e peixes mais difícil, e possivelmente alguns ficariam de fora da partilha. Com isso, na ação social da igreja de existir um planejamento para mantê-la e diminuir ao máximo que os verdadeiramente necessitados sejam excluídos. A organização que no episódio foi empregada deve servir de exemplo para as igrejas que pensam em iniciar um trabalho social.
            Nos versos 41 e 42, lemos, “e tomando os cinco pães e dois peixes, olhando para o céu, deu graças. Então partiu os pães e dava a seus discípulos para que servissem-lhes, também os dois peixes dividiu por todos. E comeram todos e satisfizeram-se”. Nestes versos encontramos outro grande princípio da justiça social, a igualdade. Diz o texto que todos receberam do pão e do peixe, todos comeram e todos se fartaram. Não houveram privilégios, todos foram tratados de igual modo. A justiça iguala as pessoas, não se importando com sua cor, raça, sexo, condição social nem mesmo religião. A justiça não exclui, ela agrega, inclui, soma, une e luta para manter a igualdade.
            Por fim, chegamos aos versos 43 e 44, últimos versos do texto de nossa base referencial para justiça. “e recolheram doze cestos de pedaços de pães e peixes. E eram os que comeram cinco mil homens”. Esses números finais mostram a grandeza do acontecimento: cinco mil homens foram alimentados e ainda sobraram doze cestos. Doze cestos do fruto da obra, da disposição e liberalidade, da compaixão, da missão integral dos discípulos de Jesus.

            Mas o que chama atenção não são os números e sim a motivação do milagre. Em todo texto não há uma indicação de que este milagre foi público, ou seja, os que comiam não sabiam que os pães e peixes eram frutos de um milagre, eles sabiam que era resultado do amor, da doação, da solidariedade dos discípulos. “Marcos não fornece qualquer indicação de que o povo tivesse percebido que um milagre estava acontecendo. O evento deveria ser revelação exclusiva para os discípulos” (MULHOLLAND,     1978, p. 111). Assim como nos demais milagres e curas realizadas por Jesus, Ele não se expunha à publicidade, nos ensinando uma lição de humildade. Sua motivação em alimentar a multidão não foi publicidade, vaidade, dinheiro, nem mesmo exigir que alguém o seguisse. Sua motivação foi o amor. Essa deve ser a motivação da igreja para alimentar a multidão, para fazer justiça, evidenciando os princípios que foram citados nesta exposição.